TOPO - PRINCIPAL 1190X148

Novos Baianos é uma mistura com a cara do Brasil

Cultura Tropical, Por Alvaro Tallarico, Pós-Graduado em Jornalista Cultural/UERJ

Em 01/01/2024 às 01:00:00

Virei fã dos Novos Baianos depois de velho. Meu pai, no seu tocador de vinil da Gradiente, escutava mais samba em casa, como Clara Nunes, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e Beth Carvalho. Contudo, já ouvia e gostava de algumas músicas, como “Preta Pretinha”. Até que, entre 2010 e 2020, mergulhei mais a fundo no trabalho desse grupo e fiquei encantado.

Em 2023, então, na Festa Literária Internacional de Paraty, adquiri, na casa Edições Sesc, o livro “Acabou chorare: o rock'n'roll encontra a batida de João Gilberto”. A história desse álbum, que é considerado por muitos o melhor da música brasileira, mostra uma convergência musical e cultural que transcende gerações. Atualmente, mais do que nunca, vejo diversas pessoas usando, em suas redes sociais, trechos de canções dos Novos Baianos, em especial aquelas que se conectam mais com a contracultura, ou uma certa alternatividade.

“Vou mostrando como sou / E vou sendo como posso / Jogando meu corpo no mundo

Andando por todos os cantos / E pela lei natural dos encontros / Eu deixo e recebo um tanto

E passo aos olhos nus / Ou vestidos de lunetas / Passado, presente / Participo sendo o mistério do planeta”.

Essa música, autoria de Antonio Pires e Luis Galvão, na voz de Paulinho Boca de Cantor, “Mistério do Planeta”, é uma das que mais vejo replicada por aí. As pessoas usam para se descrever.

Na boa obra literária, Marcio Gaspar, com habilidade e inteligência jornalística, leva o leitor a uma jornada pelos bastidores desse álbum seminal, que virou ícone do desbunde e da fusão de influências nos anos 70. Afinal, o ano de 1972 marca não apenas o lançamento do LP, mas também um período de efervescência criativa e liberdade artística no Brasil. Os Novos Baianos, entre Botafogo e a região de Jacarepaguá, conceberam uma obra que une o rock de Hendrix, a bossa de João Gilberto, o samba e o experimentalismo, criando uma sonoridade única que ecoa até os dias de hoje.

Essa mistura é a cara do Brasil. É eficaz a forma como Gaspar, com maestria, mergulha nas entranhas da comunidade dos Novos Baianos, conectando-se com produtores, músicos e outros artistas que fizeram parte daqueles momentos que mudariam a música nacional. Ele garimpou trechos de entrevistas diversas que encontrou em suas muitas pesquisas. Além disso, em sua escrita, Marcio não somente nos entrega a atmosfera que gerou a criação de cada canção e o nascimento do álbum, mas demonstra a forma utópica, sonhada e sonhadora, como o grupo vivia, numa comunidade onde todos se ajudavam, sem preocupação com dinheiro (claro que isso geraria algumas consequências depois).

Por exemplo, em certo momento, Gaspar entrevista Marília Aguiar:

“No sítio, existia muita fruta e tinha muita gente que chegava e ficava morando conosco. Uma dessas pessoas que acabou ficando foi um índio argentino que falava muito de Gandhi, fazia massagem... um cara incrível. Normalmente, eu fazia comida de todo mundo, o Paulinho às vezes ajudava, o Negrita também. Mas, em geral, era só eu. Esse cara, o índio, começou a falar muito de não comer carne e, como era eu que fazia comida, fiquei com aquilo na cabeça. Daí, teve um Natal em que eu estava preparando um peru, saí pra fazer alguma coisa e, quando voltei, olhei aquele peru sentado na pia, parecia uma criança.. desse dia em diante, nunca mais comi carne. Parei ali. Como era eu que fazia a comida, todo mundo entrou na onda e parou junto."

Paulinho completa em seguida:

“Nossa alimentação se tornou muito saudável. Estávamos no meio do cinturão verde que cerca o Rio de Janeiro, Vargem Grande e Vargem Pequena; viramos vegetarianos. A gente acordava e já tomava um café maravilhoso com frutas mil ali da redondeza. Depois do café, a gente tocava, deixava a lua baixar pra começar o jogo e depois, para as 6 horas, 6 e meia, era o rango: moqueca de palmito, acarajé sem camarão, vatapá sem peixe… criamos uma culinária própria e muito saudável e era muito difícil alguém ficar doente. Quando acontecia, todo mundo juntava o dinheiro comunitário e resolvia aquilo.”

Fica bem claro como essa forma simples e amável da comunidade dos Novos Baianos auxiliava na criação de músicas tão especiais. A trajetória de “Acabou Chorare” contada no livro é uma expressão da contracultura, uma imagem viva daquela vida idílica. Gaspar não apenas narra a história, mas também fortalece a relevância atemporal desse disco, sempre presente em todas as listas de melhores álbuns da música brasileira. Isso após mais de 50 anos de seu lançamento.

Importante destacar a organização do crítico musical Lauro Lisboa Garcia nessa excelente coleção "Discos da Música Brasileira", da Edições Sesc SP. É um reconhecimento para vários marcos da nossa cultura.

Sendo assim, “Acabou Chorare: o rock'n'roll encontra a batida de João Gilberto” é um registro histórico desse grupo autenticamente brasileiro, uma celebração da inventividade, da liberdade artística e do impacto duradouro de uma obra musical eterna. Achei pertinente falar sobre esse livro na estreia da minha coluna Cultura Tropical, aqui no Portal Eu, Rio!, focada somente no melhor da arte nacional. Acabou chorare, ficou tudo lindo.

POSIÇÃO 2 - ALERJ 1190X148
DOE SANGUE - POSIÇÃO 2 1190X148
TOPO - PRINCIPAL 1190X148
POSIÇÃO 3 - ALERJ 1190X148
POSIÇÃO 3 - ALERJ 1190X148
Saiba como criar um Portal de Notícias Administrável com Hotfix Press.